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–Qual é a importância da existência de ministérios voltados para políticas de gênero? Qual é a sua avaliação dessa arquitetura estatal?
–Acho fundamental em todos os países porque, primeiro: garante que haja mulheres em espaços de poder, principalmente na esfera federal. Quando há um Ministério das Mulheres, há uma mulher no primeiro escalão do governo, um lugar onde as mulheres poderão ter, e de fato têm, poder. Em primeiro lugar, é isso: a mensagem para a população e para as mulheres.
Em segundo lugar, está a nossa capacidade de fazer as políticas. Muitas das nossas política são transversais, mas você estar sentada na mesma mesa que o presidente e poder defender a sua proposta é um lugar de privilégio muito importante. Outro dia, por exemplo, estávamos discutindo o G20 e o presidente perguntou ao ministro [de Trabalho] [Luiz] Marinho sobre a questão da lei da igualdade, e o ministro respondeu: “Isso é com a Cida, ela que resolve, vou despachar com ela”. Termina sendo um espaço de articulação igual aos outros ministros. Isso é fundamental em qualquer gestão. Nós estamos trabalhando isso como questão de governança. Precisamos ter os ministérios, as secretarias estaduais e as secretarias municipais.
–Como as propostas feministas são recebidas em outras áreas do governo? São bem recebidas? Há tensões? Sofrem resistência? São subestimadas? Há áreas ou questões em que é mais fácil ou mais difícil se articular?
–São dois grandes blocos. Nos governos anteriores do Partido dos Trabalhadores (PT), com Lula e Dilma, tivemos muito mais resistência. Neste, é uma linha política do Presidente da República. Para discutir pobreza, ele fala sobre desigualdade; a desigualdade que ele trabalha é principalmente a desigualdade de gênero. É algo muito importante e estratégico neste governo.
Qual é o desafio colocado? Por um lado, isso nos ajuda a colocar na pauta nacional, em todos os lugares, a questão de gênero e da desigualdade, e, por outro, complica porque hoje são as mulheres quem elegem, que trazem voto. Temos um monte de ministérios e ministros fazendo muita coisa sem sequer conversar, já que é uma agenda do presidente. Então, temos, por um lado, essa construção de vários ministérios, que terminam formulando política muitas vezes sem conversar com a gente, e outros que sim o fazem, mas por ter mais dinheiro anunciam as políticas antes.
Temos as diversidades colocadas. Mas se me perguntam o que eu prefiro, eu digo que prefiro brigar porque anunciaram sem avisar do que ignorarem. São questões importantes em termos de governança, mas que vamos ter que construir a melhor forma de dar esse processo. Eu tenho discutido e trazido para dentro do ministério, e falado com o presidente Lula, que não tem como ficar só na transversalidade; o Ministério das Mulheres tem que ter execução, orçamento, fazer, apresentar para as mulheres. Não podemos apenas dizer “na transversalidade e na intersetorialidade, conseguimos incluir mulheres prioritariamente no Minha Casa, Minha Vida [programa nacional de acesso à moradia] e discutir com o presidente para alterar as casas para que as mulheres tenham mais acesso”: precisamos dizer que entregamos tantas Casas da Mulher Brasileira, precisamos apresentar resultados. O executivo funciona assim.
Estamos em um momento em que devemos continuar a discussão transversal e bancá-la dentro do governo. É uma disputa permanente com os ministros que especialista da área sou eu e o Ministério das Mulheres. Essa disputa eu faço nas reuniões ministeriais, também não faço no corredor, e não vou fazer. É uma disputa política, e é essa que tem que ser travada. Mas isso é uma característica minha, que venho do feminismo. Possivelmente outra ministra faria de outras formas.
Apesar de ficar muito brava com os anúncios e iniciativas sem consultar, eu gosto muito que eles produzam, que tenham mulheres nos ministérios que estejam pensando sobre isso, que estejam contratando feministas. Se não são feministas que já estiveram nos movimentos, no mínimo já estudaram, com mestrado ou doutorado, vêm da academia com seu feminismo. Isso nos ajuda também a consolidar a política para as mulheres.
–De acordo com essa característica de fazer política como feminista, como você mencionou, como você definiria o modo feminista de fazer política?
–Eu costumo dizer que estar na gestão pública não significa deixar os princípios. As pessoas dizem muito do tal da radicalidade feminista, e eu sou dessa área. Ou você muda a vida das mulheres ou não tem por que estar nesses lugares. Você tem que trazer elementos desse papel, desse lugar e dessa forma de pensar. Em 4 anos, ou um, porque um ministro não necessariamente fica todo o mandato, o que eu fiz de diferente para a vida das mulheres e para dentro do governo que deixe uma marca feminista? Que deixa uma marca do que é a radicalidade feminista de não mentir, enfrentar, não ter medo, de colocar os princípios basicos de solidariedade, de respeito, de humanidade. Trazer tudo isso ao debate da política pública é muito importante. Para mim, esse é o grande desafio.
A outra coisa é que, com isso, há algo que considero muito importante que é o apoio das feministas. Elas sabem que eu continuo feminista, mesmo ministra. Elas mesmas rearfirmam o tempo todo: a Cida é a nossa ministra feminista. São questões importantes que demonstram que, por agora, eu estou no caminho certo.
–Como se dá a articulação com os movimentos feministas? Existe um espaço de encontro? Existe tensão com os movimentos ao ocupar um cargo no executivo?
–Eu encontro as feministas no boteco, conversando [risos]. Do ponto de vista político, é um ponto de tensão porque você está na gestão e tem que dizer não para algumas coisas. É uma das minhas características, e que algumas mulheres sabem, é que eu não vou ter problema em dizer não. O problema é dizer sim e não cumprir nada. Estamos com a questão do aborto colocada na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF). Eu falo: vamos ter uma posição de garantir que o serviço de atendimento de aborto legal funcione; vocês vão para a rua defender o que tem que defender. São papéis diferenciados em lugares diferenciados, e elas sabem que qualquer posição minha não é por nenhuma perda de direito das mulheres. Não vou defender nenhuma perda de direitos, e elas têm toda confiança nisso. Costumamos conversar, e elas me dizem: “Cida, a gente está indo para a rua”. Faz parte. Eu acho que o que é importante, e o Lula sempre fala, e para mim é fundamental, é: se você não tem os movimentos cobrando, é muito mais difícil avançar dentro do governo. Especialmente em um governo como o nosso, em que não temos a maioria no Congresso.
Estamos em um processo em que o Centrão está pedindo a cabeça das mulheres. Já caíram três: duas ministras e a presidente da Caixa Econômica. Sem movimento na rua exigindo, pautando, nós não conseguimos avançar dentro do governo. É um processo que devemos entender que é natural. Mas há momentos como, por exemplo, a Marcha das Margaridas. Eu marchei com elas, falei, e depois estava no palanque com o presidente Lula. Quando as pessoas questionam, eu digo: sou feminista, marchei minha vida inteira. Como ter 150 mil mulheres e ficar no gabinete, esperando a hora de subir no palanque? Não existe, e acho que para nenhuma feminista. E ainda carrego a Janja junto [risas].
–A partir da sua experiência, você acredita que o Estado pode ser transformado de dentro?
–Eu não sei, tenho dúvidas. É uma conclusão que não consigo ter. Enquanto você está nesse lugar, você consegue mudar. Eu espero deixar um ministério que ninguém mais derrube. O pessoal tem cobrado seguir mais as agendas internacionais, mas eu preciso consolidar o ministério. Não podemos correr o risco de, em 2 anos, não tê-lo mais. Não podemos, em 4 anos, se não for o presidente Lula, voltar a ser uma secretaria da pasta de Direitos Humanos. É necessário consolidá-lo como estrutura governamental.
Por isso eu digo que a prioridade é a governança. Se daqui a 2 anos tivermos 2 mil secretarias de mulheres no país é muito mais difícil fechar o Ministério das Mulheres. Se temos várias políticas implementadas, sob sua responsabilidade, é muito mais difícil [desfazê-las]. Você tem que criar formas de resistência dentro do governo para garantir a manutenção desse espaço enquanto espaço político para mulheres. Nesse momento, essa é a minha estratégia, porque é o primeiro Ministério das Mulheres no Brasil.
É um desafio, a gente pegou uma coisa que não existia. Alguns dizem que tem que reconstruir; não, não existia. Aliás, acabaram com tudo. Reconstruir é para, por exemplo, o Ministério das Cidades, porque diminuíram o recurso, mas não acabaram com o programa Minha Casa, Minha Vida – transformaram em outra coisa. Diminuíram mas não acabaram com o programa Bolsa Família. Isso é reconstruir. Acabaram com tudo que tinha para as mulheres, não restou nada. É começar do zero. E pior ainda: destruíram o que tínhamos feito. Meu grande desafio hoje é consolidar isso como algo permanente no Estado: garantir que o ministério tenha uma estrutura, uma governança e uma execução que seja impossível que qualquer governante elimine o Ministério das Mulheres. Esse é o desafio.
Se não acabar, temos mais espaço para fazer uma disputa de mudança de Estado. Não é possível conseguir isso em dois anos. Nesse tempo, é possível solidificar algumas coisas, como, por exemplo, pudemos solidificar a política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres, então este é o nosso carro-chefe para consolidar uma série de coisas. Mas agora estamos discutindo a igualdade salarial, após aprovar a lei. Junto a isso, estamos discutindo a questão dos cuidados, e com isso também queremos discutir a divisão sexual do trabalho dentro de casa. Então, no mínimo, vamos colocando algumas pedras de forma que, quem vier depois, vai ter como rediscutir ou reassumir dentro do governo. Isso é possível.
Modificar o Estado é algo que só vamos fazer daqui a 10, 15 anos. Não tenho nenhuma perspectiva de que em 4 anos de governo, mesmo que eu permaneça ministra, não acho que se consiga mudar a estrutura de governo.
–Considerando as políticas que você menciona terem sido destruídas pelos governos que chegaram após os mandatos do PT, você pode dar exemplos de alguma que tenha sido simbólica ou muito significativa, e por que foi possível desfazê-las?
–Temos diversos exemplos, mas vou citar dois ou três que são importantes. Um é a política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres. Nós tínhamos trabalhado, de 2003, do primeiro governo Lula, a 2016, com o governo da presidenta Dilma, para consolidar uma política nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres que desse conta de vários elementos: prevenção, atendimento, combate, responsabiliização e a garantia de direitos. Para isso, criamos vários instrumentos. Para ter atendimento, você precisa capilarizar. Não dávamos conta de todos os serviços do Brasil, então criamos a linha 180. Esse é o maior exemplo do que foi destruído.
Eliminaram o 180, colocaram tudo na ouvidoria dos Direitos Humanos. Eram atendentes homens ou mulheres, não eram só mulheres atendendo; mudaram toda a lista de perguntas e respostas, e incluíram umas complicadas, principalmente em termos de lidar com casos de violência sexual. Portanto, destruíram o 180. Quando chegamos, a primeira tarefa foi ver como reconstruir um serviço que conseguia chegar em um município de 2 mil habitantes, lugares onde nós não conseguimos chegar. Os dados do 180 mostravam que quem mais ligava eram mulheres de municípios abaixo de 15 mil habitantes, por não ter nenhum serviço nessas localidades de atenção à mulher. E porque em um município de 15 mil habitantes, a mulher não vai entrar numa delegacia comum para dizer que apanhou do marido, por vários motivos.
Esse para mim é o maior exemplo do que foi a destruição feita. Até hoje não conseguimos consolidar o retorno desse serviço da forma que queremos. Vamos ter que refazer a licitação e discutir a concepção no Tribunal de Contas da União (TCU), que busca garantir a economia do Estado partindo do ponto que a eficácia é quando se gasta menos, e nós trabalhamos com a ideia de que eficácia e a eficiência do Estado é quanto mais pessoas atendemos, quantas vidas conseguimos salvar. São óticas totalmente diferentes. Uma é da economia e outra é da vida.
Ainda na questão da violência: nós construímos 7 Casas da Mulher Brasileira, e não fizeram mais nenhuma em 6 anos. A Casa da Mulher Brasileira tem um atendimento humanizado. Está feita para terminar com a rota crítica das mulheres. Todos os serviços estão concentrados lá e a mulher sai com uma medida protetiva em mãos. Nenhuma inauguraram. Os recursos que tínhamos conseguido para os ministérios foram transformados em emenda parlamentar. Isso, para mim, é terceirizar. O deputado vem aqui, quer a Casa da Mulher Brasileira ou o Estado oferece e o deputado faz a emenda. Então, temos um processo no qual, se não tiver um deputado que faça a emenda, não tem serviço.
Outra coisa é a Secretaria de Mulheres. Tínhamos quase 800, agora temos 300. Esse é um exemplo do que é destruição. E as 300 estão sem estrutura, sem recursos, sem poder, sem condição sequer de vir a Brasília fazer reunião comigo, participar de um Fórum Nacional de Secretarias de Mulheres. Para mim, são três grandes exemplos que temos de destruição.
–Qual foi sua maior surpresa – agradável ou desagradável – ao ocupar um cargo no poder executivo e em relação às possibilidades de avançar em políticas públicas feministas?
–Vou começar pelo negativo. O primeiro ponto negativo é que no movimento a gente tem mais rapidez para algumas coisas. O Estado é muito burocrático, muito demorado. No movimento, não; você decide fazer uma manifestação, consegue o dinheiro e em 15 dias, vai para a rua. O tempo de ser movimento e o tempo de ser Estado é diferente. Essa é a primeira contradição que, quem vem para o Estado, percebe.
Outro ponto é que são lugares completamente diferentes. Eu sempre digo à minha equipe: no Levante Feminista, a gente se lasca. O tempo do Estado não é o tempo do movimento. O movimento – ou a academia, mas principalmente o movimento feminista – tem muito tempo para trabalhar. Claro, temos a urgência das nossas lutas, não estou desconsiderando isso, mas a luta é permanente. O tempo no Estado, não. O Presidente da República, o governador do estado ou o prefeito são eleitos por 4 anos. Esse é o prazo. O que não for feito em 4 anos, não será feito. E não se dar conta desse tempo, é não se dar conta do processo que se pode deixar como marca.
Vou dar um exemplo. A Lei do Feminicídio que aprovamos em 2015 deu uma trabalheira, porque o movimento queria continuar discutindo se a lei deveria referir-se a “femicídio” ou “feminicídio”. Elas precisavam aprofundar esse debate, dar uma maior discussão sobre isso. Mas as mulheres estão morrendo. Eu preciso resolver o problema, não posso esperar todo um processo de elaboração teórica, perfeita – e eu acho que elas tinham razão. Eu disse que deveríamos optar pelo mais abarcativo, voltei ao ministério e decidi por “feminicídio”, um conceito muito mais amplo que “femicídio”. Fomos ao Congresso, chamamos as feministas para discutir. Muitas ficaram bravas, xingaram, falaram que não foram respeitadas, escutadas. Mas hoje essas mesmas mulheres são as que estão no Levante Feminista pedindo que a lei seja implementada no país.
Você não tem tempo de esperar um processo para ver qual é a melhor concepção teórica. A questão é a necessidade de salvar vidas. É completamente diferente. Se as mulheres estão morrendo, temos que agir. Como agora, vamos entrar num debate que fechei com o Flavio Dino [à época, Ministro da Justiça, em novembro de 2023] para apoiar a tornozeleira eletrônica para os agressores em caso de alto risco para a mulher. Há uma discussão jurídica e uma feminista de que a tornozeleira eletrônica pode ser um problema [para os homens]. Mas eu não quero saber; a questão é que a cada 6 horas tem uma mulher sendo morta. Eu sou ministra. Quando chega o ano seguinte, quem responde por todos esses corpos? Precisamos criar um mecanismo. O meu problema não é se o agressor vai estar com uma tornozeleira ou não ter medida cautelar; eu tenho que pensar que eu quero essa mulher viva. Se eu estou no Estado, esse é o meu papel. Uma pessoa que usa tornozeleira eletrônica é lida como bandido, como alguém que apresenta um perigo para a sociedade, mas um agressor é um perigo para a vida da mulher e dos filhos. A vida da mulher não vale e a do outro sim? Temos que dar esse embate, e eu disse isso à minha equipe. Pedi ao Dino que fique do meu lado, como Ministro da Justiça.
São questões que o movimento pode ter tempo. Eu não tenho. Precisamos trabalhar com o índice de feminicídio zero. Preciso das Casas da Mulher Brasileira. Preciso fazer campanhas de prevenção e conscientização, tudo isso que o movimento pauta, mas também preciso evitar as mortes. E se eu tenho instrumento, é a minha função fazer. E eu vou fazer.
–Qual é o problema pontual com a questão das tornozeleiras eletrônicas?
–As pessoas têm dois problemas: um é o jurídico, que diz que a medida cautelar protetiva é uma medida cautelar, e o outro é a questão de como o agressor, que é um “bom marido”, que trabalha, vai estar com a tornozeleira eletrônica e não pode entrar no banco para buscar o salário. Eu sou muito simples quanto a isso: não quer usar tornozeleira, não agrida. Eduque-se.
As mulheres do Levante Feminista perguntam as medidas que estamos fazendo, e elas discutem. Enquanto isso, eu preciso exercitar. Abrimos uma convocatória para financiar a tornozeleira eletrônica. Já temos 10 estados e 5 milhões de pedidos. Não é uma urgência só nossa, é de quem está trabalhando na ponta: das delegadas, promotoras, juízas, e das mulheres! Alguns alegam que as mulheres que morrem são as que não têm medida protetiva, também é um dado real. Então eu faço a pergunta: por que não têm medida protetiva? Porque não têm segurança no Estado. Elas sabem que se forem à delegacia pedir a medida protetiva, o cara vai estar na esquina. Se ela souber que ele tem a tornozeleira e que a polícia está fiscalizando, a mulher vai com mais segurança, sabendo que alguém está cuidando para que ele não se aproxime e cumpra com a medida protetiva.
–Você começou mencionando os pontos negativos. E os positivos?
–O positivo é esse, são as entregas, o que você pode fazer, por mais que você brigue internamente, com o movimento, com todos os desgastes que isso implica. Por exemplo, quando a gente entregou a Lei Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, quando criamos o programa, quando nos dizem que a Casa da Mulher Brasileira deu certo, que confiam no serviço… Você começa a perceber que mesmo as pequenas coisas fazem diferença para a vida das mulheres e para o próprio movimento. Isso é uma coisa muito positiva em estar no Estado, se você vem com olhar de responder não teoricamente, mas na prática.
Eu sempre digo para as minhas amigas da academia: eu faço e vocês pesquisam para analisar se deu certo ou não. Senão, como acompanhar para monitorar se deu certo? Se foi ruim? Tendo a coisa pronta. Então vamos fazer. Claro que eu não invento nenhuma política da minha cabeça, são questões que vêm sendo discutidas há muito tempo, e a gente vai implementando. Isso para mim é um ponto muito positivo. Estar no Estado, na estrutura estatal, é um lugar de poder onde você pode, de fato, alterar coisas muito importantes. Isso é positivo. Mas você tem que estar em um lugar de poder, porque em um lugar de subpoder, você não consegue.
–Qual é a sua avaliação sobre a paridade e as cotas de gênero como ferramenta na política?
–Ter mulheres no poder é algo muito importante para o feminismo. E não estamos conseguindo, temos apenas 17% no Brasil. Tivemos em 2023 a questão das cotas, que quando não se aplica, o partido é condenado, recebe multa, mas quando vai ao Congresso, a multa é perdoada. É um grande desafio. E quando falo das mulheres em lugares de poder é no legislativo mas também na sociedade brasileira; garantir que as mulheres possam estar em todos os lugares. Estamos tentando, mas ainda não conseguimos.
–Mas continua sendo uma ferramenta importante, na sua opinião?
–Houve um aumento de deputadas federais, na Câmara de Vereadores, mas não foi suficiente. Eu começo a defender cadeiras; acho que precisamos garantir uma cota de cadeiras. O partido que veja como decide quem se senta naquela cadeira. Se tem 11 vagas, eu defendo entre 20 e 30%: duas são para mulheres. Depois, teríamos que definir o critério: se é a mais votada, se é uma disputa interna, como seria. Mas seria por cadeira, porque hoje no Brasil temos 5.700 municípios, e mil não têm uma vereadora na câmara. O Mato Grosso do Sul não elegeu nenhuma mulher; uma assumiu porque um vereador foi cassado. Como um país com 52% de mulheres em sua população, com um Ministério da Mulher, ainda tem municípios e estados sem nenhuma mulher no parlamento? Isso é um dado.
“Institucionalizadas: quando os feminismos se tornam parte do Estado” é uma investigação transnacional especial da LatFem sobre a Argentina, o Uruguai, o Chile e o Brasil, com o apoio da FESminismos, um projeto regional da Friedrich-Ebert-Stiftung (FES).